Menina também diz palavrão

Qualquer coisa do género
Por Elisabete Rodrigues

“Os palavrões são, a meu ver, um importante auxiliar da comunicação oral. Talvez insubstituível. Podem servir diferentes propósitos como demonstrar raiva, discordância, indignação, mas, também, entusiasmo, surpresa ou afecto. São versáteis como nenhuma outra família de palavras consegue ser. No entanto, devem ser usados com alguma parcimónia para não perderem essas propriedades, sendo que o seu uso não é recomendado em todos os contextos…

Por exemplo, “fod***, deixem-me em paz” não deve ser usado na interacção com os polícias que nos mandaram encostar o carro para pedir os documentos… Já entre o grupo de amigos mais restrito não vejo problema algum, pode ser até mais eficaz do que qualquer alternativa mais polida.

Digamos que se tratam de palavras especiais, para situações excepcionais. Depois de bater com o dedo do pé no canto do móvel não há nada que substitua um estridente “fod***, car***…”, pois não? E há melhor forma de congratular alguém do que dizendo-lhe, “conseguiste car***, parabéns!!!”.

Depois de sair do norte do país, onde cresci e fui criada, percebi que em determinados meios e contextos sociais o uso do palavrão é menos comum. Mas não é só em função da classe social ou da região do país que varia a intensidade do uso do palavrão. Esta é igualmente uma questão de género!

“Não é bonito uma mulher dizer palavrões” disseram-me um dia. Na minha cabeça ecoou, “fod***, era só o que me faltava”. Outra forma mais subtil, mas igualmente eficaz, de demonstrar a uma mulher que esta não deve dizer palavrões, é pedindo-lhe desculpa ao fazê-lo. Já me aconteceu uma série de vezes, depois de um car*** proferido por um homem, este acrescentar “ai desculpa, não me lembrei que havia mulheres no grupo”. Neste caso, costumo explicar que considero os car*** inofensivos.

A verdade é que não são só os lugares de chefia das grandes empresas que são de difícil acesso às mulheres… pelos vistos, o uso de palavrões também não lhes é permitido da mesma forma que o é aos homens.

Esta restrição social vai ao encontro de um ideal de mulher com o qual não me identifico. O ideal da mulher-frágil, delicada e civilizada por oposição ao homem-robusto, bruto e rude.

Lamento desiludir todos aqueles que cultivam este ideal-tipo de mulher, mas informo que se trata de uma construção social e não passa de uma ilusão. A mulher é capaz de ser tão ou mais obscena na linguagem como o homem, e isso não faz dela menos mulher. Continua a ser uma verdadeira princesa, foda***!”

TEXTO ESCRITO POR: Elisabete Rodrigues